domingo, 9 de outubro de 2011

A verdade por trás da Vida a Bordo


Com quase 4 meses de férias, só quem está a tanto tempo parado sabe o significado da palavra P-R-E-G-U-I-Ç-A. Mas com uma forcinha e boa vontade, estou aqui postando um pouco mais sobre a vida a bordo. Esses dias estava lendo o blog da minha querida Grace Jamelli e resolvi me inspirar e copiar um pouco o tema do seu atual poste: A vida a bordo.                                                
Já falei sobre tanta coisa aqui, mas vale a pena especificar certos assuntos para que os futuros tripulantes não se choquem tanto quando chegarem ao navio. 
O dia de trabalho 
Pra quem não sabe trabalhei no navio como Room Service Attendant, que nada mais é aquela mocinha sorridente (ou não) que vai te entregar o café da manhã ou um balde de gelo após você ter ligado algumas vezes requisitando. A temporada brasileira pra nós comparada à européia era totalmente “good life”, melhor dizendo, vida boa. No Brasil eu entregava meia dúzia de cafés e depois ficava numa boa fazendo pequenas coisas, como dobrar guardanapos ou já deixar montado as bandejas pro dia seguinte. Na Europa tinha em média  400 cafés para 12 pessoas prepararem e entregarem. O resultado disso era uma catástrofe total. Cafés da manhã atrasados, milhares de reclamações, louças quebradas, sujeira por todo lado e funcionários irritados e cansados com apenas poucas horas de expediente. De tarde era um caos, alguns saiam pra recolher as bandejas, enquanto outros separavam o lixo e o material sujo, outros que lavavam as louça, outro que recolhia a louça limpa e guardava, e um ajudante extra pra auxiliar quem estivesse mais atarefado.  No tão esperado fim do dia, organizávamos tudo pro dia seguinte, com as bandejas dos cafés da manhã todas organizadas pro dia seguinte só serem entregues.
Claro que eu tinha muitas outras tarefinhas a fazer, mas basicamente era isso. O que nunca faltava era tempo pra se fazer o bom mamagayo, que ao linguajar do navio nada mais é que fazer qualquer outra coisa que não seja trabalhar no seu horário de trabalho.  Por exemplo, você vai fazer uma entrega lá no 12º andar, você pode ir rápido e entregar para o passageiro não reclamar, e depois enrolar uns 15 minutos na sua cabine. Ou se te mandam buscar comida na Galley, famosa cozinha do navio, você aproveita e já fatura o rango da noite.
E lembre-se da regra mais importante para você se dar bem no trabalho, ou pelo menos fingir: “Não importa o que você faça, e sim o que seu chefe te vê fazendo”. Você pode limpar tudo, deixar tudo impecável, mas se ele só ver o resultado não significa muito comparado a ele te ver com a mão na massa. Portanto sempre que seu chefe estiver por perto procure mostrar serviço, mesmo que quando ele saia você relaxe, mas não deixe de fazer!
 Os padres
A primeira imagem que me vêm a cabeça quando penso em um padre é aquele senhor ou mesmo mocinho vestido adequadamente batizando o filho de alguém, abençoando um casamento, rezando a missa e mostrando exemplo de um bom fiel. Segundo o Vaticano, quando um homem se torna padre ele abdica de várias coisas, como se relacionar com alguém, fumar e beber. Mas no navio essa história muda, e muito. O padre do navio é o encarregado de fazer as missas, cuida da parte do aluguel de livros e DVDs, cuida do cofre dos tripulantes e é o principal encarregado por promover festas e eventos para nós. Até ai tudo “normal” né! Mas e quando você percebe que os padres de lá podem beber e andar torto, podem paquerar e ficar com mulheres e com homens, e ninguém pode falar nada a respeito?! O jeito é acostumar-se com a situação, porque queira ou não é ele que vai te ajudar indiretamente a se entreter e se divertir por algumas horas. E depois de um tempo você nem liga mais se o padre ficar com seus amigos e se você vê-lo bêbado num canto. Tudo vira normal, vai de você saber lidar com isso ou não.
 Os Queridos Chefes
Um dos maiores desejos e ambições de um tripulante é ter um chefe bom, mas infelizmente isso não acontece com muita freqüência. Em todo o meu contrato tive a oportunidade de trabalhar com dois chefes, ou melhor, duas chefas. Uma brasileira e outra peruana. Não vou entrar muito em detalhes, mas posso dizer que comparado ao que vi e aos chefes que meus amigos tiveram, eu tive sorte por ter trabalhado com minhas duas supervisoras, mas vou falar em geral. Os chefes estão lá pra ferrar com a sua vida e mostrar serviço pra alguém superior a eles, e mostrar que eles conseguem ferrar com a sua vida mesmo você mostrando serviço. Praticamente é assim no navio todo, mas sempre tem alguém que consegue bajular seu chefe e conseguir umas molezas no trabalho. No navio aprendi que seu chefe pode te odiar em horário de trabalho, mas depois do expediente ele pode ir com você beber uma cerveja com o maior sorriso do mundo. Acostume-se com isso também, pois é bem normal seus colegas de trabalho também te xingarem enquanto você trabalha, e depois querer ir pra festa com você como se nada tivesse acontecido. E por um lado isso é bom, saber separar as coisas e não levar pro pessoal.
 O Buongiorno Smile
Imagine acordar doente, com dor de cabeça, ou simplesmente irritado, com o pé esquerdo, de ressaca, com saudades, com cólicas ou qualquer ou desconforto. A única coisa que você quer é ficar na sua, se possível descansando. Sonho meu e de todo mundo a bordo, mas vamos voltar pra dura realidade. Você acordou com algum desses sintomas e terá de trabalhar da mesma forma. E a melhor notícia, com um sorriso no rosto como se você fosse a pessoa mais feliz do mundo por estar trabalhando naquela hora. E não se esqueça: mesmo que você dê aquele bom dia feliz e animado e o passageiro nem olhar na sua cara, continue sorrindo. Aconteça o que acontecer, continue sorrindo!
 O Boat Drill
Trata-se de um treinamento sobre sobrevivência em caso de emergências. Pode ser um incêndio, um vazamento, um passageiro passando mal, pessoas deficientes que precisam de ajuda, e até o caso de abandonar o navio. No começo você acha isso super importante, afinal você que ajudará algum passageiro se precisarem de socorro ou abandonar o navio. E lembre-se, você será sempre o ultimo a se salvar, o passageiro em primeiro lugar. Mas é claro que na prática é salve-se quem puder e acabou. Enfim, desde a primeira semana a bordo somos submetidos a fazer semanalmente esse treinamento, todo inicio de cruzeiro. É um saco, você tem que parar de fazer tudo que estiver fazendo, seja trabalhando ou na sua hora de folga dormindo, e ir ficar parado na sua posição indicada orientando os passageiros o caminho. A melhor notícia: se você faltar em 3 desses treinamentos durante todo o seu contrato você é mandado embora. Conclusão, é chato mas é obrigatório, então não deixem de ir.

A primeira parte da verdade nua e crua da vida a bordo está pronto. No próximo poste vou falar das gírias a bordo e continuar o nosso assunto atual.
Obrigada a todos que sempre acompanham e aguardam com paciência as postagens.
Beijos a todos,

Camila.

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